quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Os anais históricos antigos. (II)

No resumo histórico que precede os Annales, como notou Pierre David, os Godos aparecem como invasores calamitosos, e não como antecessores da monarquia asturiana, contrariamente ao que vemos na crónica de Afonso III das Astúrias (segunda metade do século IX), do qual nasceu a ideia da «Reconquista». A tradição transmitida pelos Annales Portucalenses Veteres remonta, portanto, a começos do século IX, quando os reis asturianos ainda não se consideravam os continuadores e restauradores da monarquia visigótica, mito que apareceu mais tarde (1).
O que mais nos interessa nestes anais é o ponto de vista em que se coloca o narrador. O seu horizonte geográfico está definido quando façla da grande fome de 1122:

Era 1160.
Magna fames fuit in civitate Colimbrie et in tota Portugalensi regione a Mineo usque in Tagum (2)

Coimbra aparece no centro dos acontecimentos. Entre os condes portugalenses, como os Mendo-Gonçalves, e o rei D. Afonso Henriques, passando pelo conde seu pai, não se nota solução de continuidade. Do resto da Espanha só se conhece Toledo. Todavia, Portugal aparece aí como um prolongamento do reino asturiano e Fernando I de Leão, o conquistador de Coimbra, Viseu e Lamego, como o primeiro ocupador do território, do qual já fazem parte Santarém, Lisboa e terras adjacentes, conquistadas primeiramente por Afonso VI de Leão e novamente por seu neto D. Afonso Henriques, e também as terras conquistadas por este último no Alentejo, como Beja, Évora, Serpa e Moura. É uma primeira manifestação de como a gente que habitava a região portugalense estava voltada para dentro do País, alheada da transformação cultural do resto da Espanha, como o mostra a persistência de uma tradição historiográfica dos primeiros anos da reconquista.
[António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal, p. 151.]

Notas do Autor:

(1). — Op. cit. [Annales Portucalenses Veteres], pp. 312-325.
(2). — Op. cit., p. 302.

Até breve.

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