domingo, 14 de setembro de 2008

A ordenação do cavaleiro.

Se bem que a Igreja tenha sempre desempenhado um papel importante nos rituais de iniciação cavaleiresca, devemos advertir que quase sempre era um cavaleiro laico quem investia o aspirante a cavaleiro — ou lhe dava o abraço —, pois este era o procedimento correcto para manter uma linhagem ou filiação iniciática.
A ordenação de um cavaleiro não é, por isso, um sacramento nem uma bênção sacerdotal. Uma ordenação cavaleiresca conferida por um sacerdote é incorrecta, ou puramente simbólica.

O mestre sufi, originário de Múrcia, Ibn Arabí (1165-1240) — o maior dos mestres do esoterismo islâmico — explicou, na sua obra Futuhat al Makkiya, em que consistiam o silêncio e a vigília, as duas condições previstas para a ordenação do cavaleiro:

“Entendo por silêncio a abstenção de falar aos homens, e a ocupação com o dhikr [a invocação do Nome divino] no coração, a palavra na alma e não com a língua [...]. Quanto ao silêncio interior, que é a abstenção de falar consigo mesmo, o aspirante não deve entreter-se com a sua alma, pensando no que espera obter de Alá e ao que está obrigado para tal, posto que isto seria uma pura perda de tempo sem nenhum proveito, “desejos vãos”. Quando se distrai no diálogo com a sua alma, o aspirante depara-se com a invocação de Alá no coração, o coração não se pode ocupar ao mesmo tempo deste diálogo e da invocação; quando isto sucede, perde-se o objectivo do isolamento e do silêncio, que é a invocação de Alá, invocação que vai polir o espelho do coração para que possa revelar-se o Senhor”.

Noutra obra, intitulada El adorno de los Abdal, o mestre acrescenta ao seguinte:

“Aquele que cala a sua língua, mesmo se o seu coração não cala, aligeira a sua carga; o que cala a sua língua e o seu coração purifica o seu “centro secreto”
[sirr] e revela o seu Senhor. O silêncio da língua é um dos traços comuns a todos os homens espirituais e a todos os homens do caminho. O silêncio do coração é uma das características distintivas dos “próximos”, que são as gentes da contemplação.”

No que diz respeito à vigília, Ibn Arabí explica o seguinte:

“A vigília é suportada pelo jejum, como efeito da diminuição da qualidade húmida e dos vapores que atraem em direcção ao sonho [...]. A utilidade da vigília consiste em manter o indivíduo num estado de consciência para que se ocupe continuamente de Alá, tal como lhe é requerido; uma vez que se o homem adormece, a sua consciência passa para o mundo intermédio
[alamu al barzai] enquanto dorme, deixando desta forma passar o proveito que pode obter-se permanecendo em estado de vigília. Se o aspirante se liga a esta regra, a vigília penetra no “olho do coração” e a partir do olho da visão subtil purifica-se pela continuidade do dhikr; é quando chega a ver, como um bem, o que Alá quer mostrar.”
[José António Mateos Ruiz, A Cavalaria Cristã. A Iniciação Templária, Codex Templi, Cap. XVI, p. 345, Zéfiro, Sintra, 2007.]

Até breve.

1 comentário:

Emília Matos e Silva disse...

a leitura dos textos publicados é de dia para dia mais interessante e enriquecedora.