sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Foral dado aos mouros forros de Lisboa, Almada, Palmela e Alcácer do Sal, em 1170.

Uma das facetas mais ignoradas da História de Portugal é a atribuição de um foral específico — aliás, como o eram as designações, atribuições e concessões contidas nas cartas foraleiras que os reis, particulares e clero atribuíam —, que terá sido o primeiro dado em todo o território cristão peninsular, aos chamados mouros forros de Lisboa, atribuído por D. Afonso Henriques em Março de 1170, e que por extensão abrangeriam igualmente os de Almada, Palmela e Alcácer do Sal. Sobre este assunto, façamos leitura de um trecho de um artigo mais extenso, e bastante preciso, que a profª. Eva-Maria von Kemnitz nos dá e vem publicado no Livro de Actas do 2º Congresso Histórico de Guimarães.

(…) É de admitir que as elites muçulmanas tenham abandonado esses territórios [tomados durante o período da denominada Reconquista] em função da sua maior mobilidade e contactos e por isso maior facilidade de se integrarem noutros lugares do dar al-Islam.
Em relação à restante população muçulmana, pelo menos em relação à parcela que pode livremente decidir por si ou seja aquela que não estava reduzida à escravidão e que vivia do cultivo das suas terras ou do desempenho dum ofício punha-se um dilema: emigrar, como mandaria a consciência dum crente, ou permanecer?
Para o rei, a expulsão de uma numerosa população muçulmana, prática aliás bastante comum em fases anteriores da reconquista, poria claramente em risco o êxito da conquista uma vez que deixaria o território despovoado, privaria a coroa dos proventos do trabalho desta mão de obra qualificada e ainda tornaria mais difícil, em termos militares, a manutenção dos terrenos recém conquistados.
Em seguida à ocupação de Lisboa os Muçulmanos, destituídos do foro de cidadania, foram desalojados da cidade intra muri, ficando a habitar o arrabalde e os arredores. Muito não conseguiram emigrar para as terras do Islão.
Foram esses que permaneceram, os muddayyanun, daí o termo português mudéjar, que contribuíram para a preservação de tradições, saberes e costumes islâmicos no Portugal cristão e cuja herança está bem patente, ainda hoje, em diversas áreas apesar da distância de vários séculos.
Decorridos vinte e três anos após a tomada de Lisboa e da área adjacente, precisamente em Março de 1170 em Coimbra, D. Afonso Henrique concedeu um foral aos Muçulmanos livres, correntemente designados por Mouros forros de Lisboa e extensivo aos de Almada, Palmela e Alcácer do Sal e que curiosamente precedeu de nove anos a concessão de foral à própria cidade de Lisboa.
Precisemos que os Muçulmanos foram a única minoria contemplada pela legislação régia da altura.
Este foral continha disposições legais que definiram o estatuto da comunidade de Muçulmanos no seio da sociedade cristã, garantindo-lhes a liberdade de religião e a conservação das suas propriedades mediante pagamento dos impostos e cumprimento de certas obrigações, em suma, um quadro específico dos seus deveres e direitos.
Confirmado em 1217 em Santarém, já no reinado de D. Afonso II e com o aditamento da inviolabilidade do seu domicílio, este foral constituiu o modelo de toda a legislação posterior que abrangeu esta minoria como, por exemplo, nos de Tavira, Loulé, Silves e Faro datados de 1269, concedidos depois de concluída a reconquista
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[Eva-Maria von Kemnitz, A construção de uma nova sociedade — o caso específico da minoria Moura. 2º. Congresso histórico de Guimarães, Actas do Congresso, Vol. 4, Sociedade, administração, cultura e igreja em Portugal no séc. XII, pp. 85-86, Ed. Câmara Municipal de Guimarães e Universidade do Minho, Guimarães, 1996.]

Até breve.

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